Alguns programas de treinamento têm prosperado e obtido reconhecimento pelo valor que emprestam à formação de profissionais da saúde e, por via de consequência, à coletividade. Esse é o caso do Pre-Hospital Trauma Life Support (PHTLS), que capacita para o atendimento ao trauma e tem sido adotado, nacional e internacionalmente, pelos serviços de atendimento pré-hospitalar.
Contudo, programas de qualificação direcionados à assistência clínica (não-traumática) no pré-hospitalar, como o Advanced Medical Life Support (AMLS), já consagrados em outros países, ainda não recebem, no território nacional, a atenção dada no exterior – mesmo que a quantidade de emergências clínicas supere significativamente o número de urgências traumáticas.
Provavelmente, isso se deve a três fatores:
- A formação em trauma é mais limitada na graduação acadêmica, o que gera insegurança ao profissional não habilitado;
- O atendimento ao trauma se reveste de temor e de peculiaridades que movem o profissional em busca de qualificação. Além disso, envolve um modelo mais específico de atendimento que inibe o indivíduo menos qualificado de atuar nessa área;
- É comum assumir que o atendimento clínico de urgência obedece uma lógica tradicional de atendimento – e isso gera uma sensação de conforto ao manejar estas situações, mas acaba desconsiderando as demandas diferenciadas do atendimento clínico.
Desta forma, a qualificação para ambos os tipos de atendimento é essencial, traz muito mais benefício à sociedade e provoca maior impacto na carreira do profissional da saúde.
O mercado do atendimento de urgência é o que mais cresceu nos últimos 15 anos, graças ao investimento público feito no SAMU e em seus sucedâneos privados. Se, por um lado, isso gera oportunidades, por outro há uma enorme escassez de profissionais adequadamente capacitados e formados.
Alguns estudos nacionais ilustram bem a diferença do número de situações clínicas de emergência em relação às urgências traumáticas (causas externas). Estes estudos trazem os seguintes resultados:
Em um determinado estudo, as emergências clínicas corresponderam a 57% da demanda do SAMU, enquanto as urgências traumáticas estiveram presentes em apenas 33% dos atendimentos¹. Já em Ribeirão Preto, ao levantar os motivos das solicitações de atendimento pré-hospitalar móvel em Ribeirão Preto, constatou-se que 85% se deveram a causas clínicas².
A Tabela abaixo mostra que a maioria das ocorrências devidas a causas clínicas enquadram-se em três principais grupos: doenças do aparelho circulatório, com 23,1% (com prevalência das alterações hipertensivas); sinais, sintomas e achados anormais de exames, não classificados em outra parte (21,8%) e gravidez, parto e puerpério (13,8%)¹.
TABELA: Causas de atendimento pelo SAMU na cidade de Olinda
TIPO | CAUSAS | N | % GERAL |
Causas Externas | Acidentes | 460 | 23,52 |
Agressões | 49 | 2,51 | |
Demais causas externas | 22 | 1,12 | |
Outros | 114 | 5,83 | |
Parcial | 645 | 32,98 | |
Causas Clínicas | Doenças do aparelho circulatório | 200 | 10,22 |
Sintomas, sinais e exames anormais | 189 | 9,66 | |
Gravidez, parto e puerpério | 119 | 6,08 | |
Transtornos mentais e comportamentais | 104 | 5,32 | |
Demais causas clínicas | 253 | 12,93 | |
Outros | 249 | 12,73 | |
Parcial | 1114 | 56,95 | |
Remoções | Parcial | 143 | 7,31 |
Indefinidos | 54 | 2,76 | |
Total | 1956 | 100,00 | |
Fonte: SAMU-192-Olinda, 2007
É fácil verificar que, com esta distribuição dos atendimentos, a equipe de saúde necessita estar preparada para as principais urgências clínicas que acometem áreas tão diversas e específicas como a gestação. Também não é difícil entender que, embora muito importante, o preparo para assistência ao trauma não fornece habilidades para atender a diversa gama das apresentações clínicas mais comuns.
Referências:
- Santana AP et Souza CWV. Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): análise da demanda e sua distribuição espacial em uma cidade do Nordeste brasileiro. Ver Bras Epidemiol. 2008;11(4):530-40.
- Fernandes RJ. Caracterização da atenção pré-hospitalar móvel da Secretaria de Saúde do município de Ribeirão Preto – SP [dissertação de mestrado]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2004.